quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Adoção à Brasileira e a (I)LEGALIDADE do ato

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Hoje, 18 de setembro de 2014, o STJ concedeu habeas corpus a fim de assegurar a guarda de um menor a um casal acusado de burlar a lista de adoção.
Entenda essa modalidade de adoção e como ela é vista no ordenamento jurídico brasileiro.

1 “ADOÇÃO À BRASILEIRA
A “adoção à brasileira”, conforme visto em "Adoção: Espécies e Modalidades", apesar de descrita no rol de modalidades de adoção, não é uma forma reconhecida em nosso ordenamento, posto que a sua prática caracteriza um ilícito penal.
Lamenza critica essa forma de adoção, afirmando que, enquanto alguns enfrentam os rigores da lei, a fim de satisfazer todos os requisitos para ter um ser humano sob seus cuidados, passando por todos os tramites processuais exigidos, outros indivíduos, por motivos de índole subjetiva, realizam o que a doutrina convencionou como “adoção à brasileira”, forma de receber um jovem no seio familiar sem a observância das formalidades legais[1].
            Fonseca, por sua vez, aponta outro risco dessa modalidade de adoção. O autor explica que na modalidade de “adoção à brasileira, não há distinção entre filiação biológica e filiação social”. É um processo irrevogável, se os pais quiserem voltar atrás, têm que reconhecer que cometeram um crime.
            A criança será integrada inteiramente na sua nova família, conferindo-lhe direitos em igualdade com as crianças “legítimas”. Em outras palavras, este procedimento antecipou, em muito, o espírito da legislação atual. Sem a ajuda de assistentes sociais, psicólogos ou qualquer outro agente do Estado, as pessoas procuram as redes apropriadas, avaliam as intenções da “mãe verdadeira”, e determinam o modo apropriado de agir[2].
            Então, o que move os interessados na adoção a optarem por essa forma de adoção?
            De fato, na maioria dos casos, os interessados visam o benefício, o bem estar e o melhor interesse do infante. Essa modalidade de adoção acontece, em geral, quando os pais biológicos não tem interesse em ficar com uma criança e acabam abandonando o filho aos cuidados de outra família. Informar tal fato às autoridades, muitas vezes, significa entrar no processo de adoção, deixar a criança em uma instituição até uma decisão judicial e aguardar pelo tempo do processo.
            Se a celeridade e acessibilidade são desafios permanentes, superar a concepção elitizada e o excesso de burocracia com que são tratados os sentimentos humanos, também deve ser compromisso do Sistema de Justiça informado pelo princípio constitucional da dignidade humana[3].

1.1 Quem pratica esse tipo de adoção?
            Engana-se quem pensa que somente pessoas com menor esclarecimento arriscam-se a essa empreitada irregular.
            Em uma pesquisa recente, Lidia Weber demonstrou que os motivos que levam alguém a registrar filho alheio como próprio, por esse método, são os mais variados, mais fácil é intuir que, dentre eles, estão: a esquiva a um processo judicial de adoção demorado e dispendioso, mormente quando se tem que contratar advogado; o medo de não lhe ser concedida a adoção pelos meios regulares e, pior ainda, de lhe ser tomada a criança, sob o pretexto de se atender a outros pretendentes há mais tempo “na fila” ou melhor qualificados; ou, ainda, pela intenção de se ocultar à criança a sua verdadeira origem[4].
             Os indivíduos que se subtraem às exigências legais para receber uma criança em adoção pertencem a todas as classes sociais. Para tanto, munem-se de artifícios escusos, recebendo o infante clandestinamente da mãe biológica (por vezes na saída da própria maternidade) e correndo para a lavratura do assento de nascimento indevido perante o Cartório de Registro Civil[5], explica Lamenza.
            Existem dois grupos distintos, do ponto de vista móvel psicológico, que realizam esta “adoção à brasileira:
1) os que realizam essa colocação indevida por receio de figurarem na fila de interessados em adoção. Com eventual demora na chamada por especificação excessiva das características da criança pretendida (geralmente branca, recém-nascida e do sexo feminino), poderia haver o medo de envelhecimento dos interessados, com profundo distanciamento em relação à faixa etária do “adotado” ou frustração decorrente de situação não resolvida (mito do tempo perdido, que poderia ser aproveitado com uma criança já inserida na família);

2) os que recorrem à “adoção à brasileira” com temor de recusa do Poder Judiciário (ou do Ministério Público) em aceitar o perfil dos interessados. Há
pessoas que têm insegurança em suas atitudes, imaginando que o Juiz de Direito (ou o Promotor de Justiça) possa criar óbices à colocação adotiva com argumentos variados (falta de recursos financeiros, anomalias psíquicas, inadequação para os cuidados de uma criança etc.)[6].

            O perfil da grande maioria dos adotantes que opta pela “adoção à brasileira” é que são: pertencentes à classe média; a faixa etária gira entre os 40 e 50 anos; residem em local pertencente à circunscrição do Cartório de Registro Civil onde o assentamento de nascimento da criança é indevidamente lavrado. Enquanto o perfil dos “adotados” é composto por crianças recém nascidas[7].

1.2 Tipificação
            No tocante ao ilícito penal cometido, o Código Penal, em seu artigo 299, estabelece se tratar de falsidade ideológica inserir declaração falsa, em documento público ou particular, que altere fato juridicamente relevante. Com aplicação de pena de reclusão, de um a cinco anos, e multa, no caso de  documento público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.
            Conforme lembra Granato, a Lei 6.898/81 tipificou o “registrar como seu o filho de outrem”, passando a considerar crime, previsto no art. 242, do Código Penal, com pena de dois a seis anos de reclusão, mas excepcionando, no parágrafo único”se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: Pena – detenção de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena[8]”.
            Autores, como Chaves, defendem que não se pode atentar exclusivamente para o texto da lei. A norma penal é severa demais, chocando-se frontalmente com os relevantes motivos sociais que acompanham atos dessa natureza e os sentimentos do homem médio comum – dos quais não se pode excepcionar o juiz – que, com raras exceções, são unânimes,
            Também são unânimes a doutrina e a jurisprudência, em buscar meios e pretextos para contornar o texto severo da lei a fim de não cominar pena alguma, quando alguns, entre esses milhares de casos que anualmente ocorre, chegam, por qualquer circunstância aos tribunais. Ninguém resiste à verdadeira coação de ordem moral decorrente do alto valor espiritual e humano que inspiram tais gestos[9].
            Alguns autores, equivocadamente, acreditam que a permissão da prática da “adoção à brasileira” é um perigo, pois a tolerância poderia tornar a adoção legal letra morta, “um entrave à legalidade e à própria essência da justiça do ato adotivo”, enfatiza Lamenza.
            Ao condenar o ato, o que se deixa de observar é a integridade da intenção. Os adotantes se afeiçoam ou, por motivos vários, concebem uma criança nascida de outrem em seu seio familiar, para lhe dedicar amor, cuidados e um lar que esse infante não irá encontrar em abrigos.
            A deficiência, o problema, não está na forma de adoção optada pelos pais, mas nas opções que o sistema lhes oferece para conseguir efetivar a adoção de uma criança.

2. ADOÇÃO À BRASILEIRA: BENEFÍCIOS OU PREJUÍZOS AO ADOTADO?  Ainda não foram realizadas pesquisas para apurar os benefícios ou prejuízos que essa modalidade de adoção pode causar aos envolvidos. O que se sabe, é que no Brasil essa é uma prática recorrente e que raramente chega ao conhecimento da Justiça, com exceção de um caso ou outro.
            Sem previsão legal, não existe meio de fiscalização ou mensuração de eventuais danos. O principal prejuízo apontado pelos doutrinadores do assunto é o fato de que, no momento em que não há uma fiscalização e um controle, essas crianças não terão proteção ou um olhar mais atento da Justiça, igual ocorre na adoção legal. Essas crianças poderiam ser adotadas para fins de tráfico, prostituição ou qualquer outra espécie de marginalidade.
            “A burocracia visa tão somente à proteção da criança e adolescente adotado[10]”, defendem alguns, o que acho temerário, já que deixar uma criança em abrigos, ao sabor do tempo, até que complete a idade adulta, não deve ser considerado um beneficio.
            Se existe uma série de exigências para conceder a guarda de um menor a uma família é, justamente, para evitar que algum mal irreversível aconteça a essa criança ou adolescente. Todavia, existe um limite do que é aceitável. As exigências na adoção legal não podem ser tamanhas, a ponto privar a criança, por anos, de ter uma família e desmotivar os interessados.
            Valdir Sznick, procurador de Justiça, ao falar sobre a adoção à brasileira, salienta que “o ato, por mais nobreza e grandeza de princípios de que se revista, está tisnado pela dissimulação e pela infração à lei[11]”. De fato, mas e o que está fazendo o Poder Público para deixar o procedimento mais célere e tornar a burocracia um benefício e não um prejuízo ao infante?
            Respondendo a essa questão, Veronese, invoca o princípio do melhor interesse da criança. Para o autor, a proteção dos direitos da criança e do adolescente deve ser absolutamente prioritária, sobreposta a quaisquer outras medidas. O princípio do melhor interesse da criança deve ser pautado em medidas concretas aplicadas pela família, pela comunidade e pela atuação do Poder Público com a criação de meios e instrumentos que assegurem os direitos proclamados[12].
            Ademais, a generalização e a condenação do instituto, por si, não tem fundamento. Qualquer pai que maltrate o filho, que não lhe garanta amor, cuidado, educação e um lar saudável, deverá estar sob o olhar atento da comunidade e da Justiça. Os meios pelos quais esses pais chegam a adoção, não irão influenciar negativamente sobre a forma com que cuidará dessa criança.

2.1 As decisões dos Tribunais Estaduais sobre o assunto
            Os Tribunais, majoritariamente, entendem que a exemplo da adoção legal, a adoção à brasileira é irrevogável, lembrando que a relação criada pelos laços de afeto e os vínculos existentes entre pais e filhos se sobrepõe ao vínculo biológico.
            O Acórdão a seguir transcrito trata de pedido de negatória de paternidade, o qual foi julgado improcedente, por estar reconhecido o vinculo socioafetivo entre as partes, vínculo este que se sobrepõe ao biológico. Vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE MATERNIDADE. ADOÇÃO À BRASILEIRA E FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. Incontroversa a adoção à brasileira do réu pelo autor, a exemplo da adoção legal aquela é irrevogável. A pretensão esbarra, também, na filiação socioafetiva que perdura até hoje entre o autor e réu, o qual vê no pai registral o seu verdadeiro pai. Improcedência da negatória de paternidade mantida. Precedentes doutrinários e jurisprudenciais. APELAÇÃO DESPROVIDA. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70034072439, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 11/08/2010)

             André Luiz Planella Vilarinho, afirma que mesmo havendo a inexistência de filiação biológica reconhecida nos autos, o reconhecimento livre e espontâneo da paternidade, sem qualquer vício de consentimento, caracteriza a denominada ‘adoção à brasileira’, a qual é irrevogável.
            Em sua brilhante dicção, salientou o desembargador:

Conforme entendimento moderno do Direito de Família que foi se sedimentando no nosso País, acolhido pelas melhores doutrina e jurisprudência, as relações familiares devem se basear muito mais no afeto do que em outros aspectos. Assim, as relações parentais de filiação baseadas na afetividade, ou constituídas com base no afeto, devem se sobrepor à filiação biológica ou registral, exatamente porque, ninguém passa a ser pai/mãe na verdadeira acepção da palavra, só porque se descobriu que biologicamente é o pai/mãe, e também, não necessariamente alguém que descobre não ser o pai/mãe biológico, deixa de ser o pai/mãe afetivo.
As relações de filiação, de fato, não se iniciam ou terminam apenas com base na verdade biológica.

             Doutrina e jurisprudência não estão pacificadas nesse ponto. Diversamente do acima entendido, Granato entende que “por absoluta inconformidade com a lei, aquele registro é nulo e, como tal, a qualquer momento poderá ser declarado”, para a autora, adotante e adotado ficam expostos a possibilidade de uma mudança radical em suas vidas, se acaso venha-se a descobrir a falsidade e se anular o registro.
            Esse posicionamento, todavia, não encontra respaldo nas decisões dos Tribunais do país, conforme se verifica pelas decisões dos Tribunais de Justiça de Minas Gerais e Goiás:

EMENTA: AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C ANULATÓRIA DE REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO - ADOÇÃO À BRASILEIRA- ATO JURÍDICO PERFEITO - PREVALÊNCIA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA.
- É improcedente o pedido de desconstituição da paternidade espontaneamente assumida, ausente vício de consentimento, restando incontroversa "a adoção à brasileira" praticada pelo autor e sua esposa, ou seja, o registro de filho alheio em nome próprio.
- Deve prevalecer a paternidade socioafetiva, tendo em vista que o autor tinha ciência da ausência de filiação biológica, mas concordou com o registro civil, pretendendo a sua desconstituição trinta e oito anos depois do nascimento da ré. (Apelação Cível n.º1.0024.11.290442-0/001. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Relator(a): Des.(a) Alyrio Ramos. Julgado em: 08/08/2013

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO PÓSTUMA OU PÓS MORTEM. ADOÇÃO À BRASILEIRA. POSSE NO ESTADO DE FILHO. PARENTESCO CIVIL. RELAÇÃOSOCIOAFETIVA. PARÂMETROS DE DIREITO MATERIAL. CONFIGURAÇÃO. 1 - A posse de estado de filho de quem nesta condição permaneceu autoriza o reconhecimento da adoção, póstuma ou não, perante aquele que também em circunstância tais sempre o concebeu. Leitura do art. 1.593, caput, do art. 1.609, parágrafo único e do art. 1.619, caput, da Lei nº 10.406/02, c/c art. 42, § 6º e art. 47, caput e § 7º, da Lei nº 8.069/90, todos à luz da socioafetividade que tanto orienta o atual Direito de Família. Raciocínio que, por sua vez, enxerga eco nos enunciados nº 256, 339 e 518, da III, IV e V Jornadas de Direito Civil, respectivamente. 2 - Logo, há de ser reconhecida em juízo a adoção à brasileira pós mortem do demandante que, ao longo de anos a fio, comprovou que na posse do estado de filho com os genitores já falecidos dos requeridos conviveu. Jurisdição em segundo grau concluída com fundamento nas provas hospedadas nos autos e, outrossim, com fulcro nas promoções ministeriais, estas, inclusive, utilizadas como razão de decidir. APELAÇÃO CONHECIDA PORÉM DESPROVIDA.

            No Estado do Rio Grande do Sul, não é recente a concessão de Perdão Judicial nos casos de Adoção à brasileira, quando, por não ter condições de prover sozinha o sustento do filho, a mãe entrega a criança a uma filha interessada e capaz de proporcionar a criança um lar, baseado no afeto, no respeito, garantindo-lhe uma ambiente saudável.

EMENTA:  PARTO SUPOSTO. ARTIGO 242 DO CÓDIGO PENAL. ADOÇÃO À BRASILEIRA. PERDÃO JUDICIAL CONCEDIDO. SENTENÇA MANTIDA. Mãe do menor é prostituta e diante da impossibilidade de criar adequadamente o recém nascido o entregou aos réus. Para adequarem a realidade à certidão de nascimento, os réus se declararam pais do nascituro e lograram êxito em registrá-lo. Sentença concessiva de perdão judicial mantida. APELO NÃO PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70037954229, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudio Baldino Maciel, Julgado em 23/09/2010)


            Conforme referido por Cláudio Baldino Maciel, no acórdão acima, apesar do agir ilícito dos acusados, trata-se do chamado “dolus bonus”, ou seja, suas intenções foram no sentido de receber o menor e dar a ele a família que sua mãe biológica assumidamente não poderia proporcionar.
            Em casos análogos, para a concessão do perdão Judicial é invocado o art. 242 do Código Penal, o qual faz a seguinte previsão:

Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido
Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: (Redação dada pela Lei nº 6.898, de 1981)
Pena - reclusão, de dois a seis anos. (Redação dada pela Lei nº 6.898, de 1981)   Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: (Redação dada pela Lei nº 6.898, de 1981)   Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena. (Redação dada pela Lei nº 6.898, de 1981)

            Acerca do perdão Judicial o ilustre Julio Fabrini Mirabete explica que quando o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza, confira-se a forma privilegiada em que a pena é a de um a dois anos de detenção. Reconhecendo-se a motivação nobre, é necessário que o juiz a leve em consideração na aplicação da pena[13].
            Da mesma forma Guilherme de Souza Nucci, afirma que o Perdão judicial é a clemência do Estado para determinadas situações expressamente previstas em lei, quando não se aplica a pena prevista para determinados crimes, ao serem preenchidos certos requisitos objetivos e subjetivos que envolvem a infração penal. Trata-se de uma autêntica escusa absolutória, que não pode ser recusada pelo réu[14].

2.2 Decisão do STJ no pedido de habeas corpus
            Mas o Judiciário não parou de inovar. Na data de 18/09/2014, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu ordem de ofício para que uma criança de três meses, enviada a abrigo, fosse devolvida a um casal acusado de burlar a lista de adoção.
            A decisão foi unânime. (Veja a notícia completa)
            O habeas corpus foi impetrado contra decisão que negou liminar (pedido urgente dos pais adotantes do menor), o que só é admitido em casos excepcionais. A Turma reconheceu que esse não é o instrumento processual adequado para defender interesses da criança, mas entendeu que o caso era excepcional.
            “Está-se diante de uma situação bastante delicada e que impõe a adoção de cautela e cuidado ímpar, dada a potencial possibilidade de ocorrência de dano grave e irreparável aos direitos da criança”, afirma a decisão. Para os ministros, esse é um caso que justifica o afastamento excepcional de todos os óbices que, em princípio, levariam ao não conhecimento do habeas corpus.
            O juízo determinou por meio de liminar o acolhimento institucional da criança. Contra a decisão foi impetrado habeas corpus com pedido de liminar, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo manteve o acolhimento e determinou também a realização de exame de DNA.
            No STJ, o casal alegou que quando a criança nasceu já estavam inscritos no Cadastro Nacional de Adoção por causa da dificuldade da esposa em engravidar. Disse que a medida de acolhimento institucional seria prejudicial à criança, pois teriam melhores condições para cuidar dela.

2.2.1 Estabilidade emocional
            Os ministros entenderam como “temerária” a permanência da criança em um abrigo. Segundo a decisão, como as irregularidades no procedimento de adoção ainda são alvo de investigações, manter o menor em instituição de acolhimento configuraria uma “verdadeira inversão da ordem legal imposta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, na qual esta opção deve ser a última e não a primeira a ser utilizada”.
            Para os magistrados, não havia indício de situação de risco para a criança que justificasse trocar um lar estabelecido por um local de acolhimento institucional. Assim, o que melhor atende aos interesses da criança é permanecer sob os cuidados do casal até a decisão final do processo.  
            A Turma considerou razoável a manutenção da situação estabelecida, inclusive porque a jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de que “o menor deve ser protegido de sucessivas e abruptas alterações em seu lar, com vistas à proteção de sua estabilidade emocional”. (Fonte: www.stj.jus.br)
            De fato é uma decisão inovadora, principalmente no aspecto da concessão do habeas corpus (o que já havia sido negado por outra turma do STJ), mas nesse aspecto discute-se algo mais importante: os interesses envolvidos nesse processo.

3 CONCLUSÕES
            É um equívoco, beirando às portas da injustiça, acreditar que os adotantes que optam pela adoção à brasileira devem ser punidos pelo ato. A busca por essa modalidade de adoção demonstra a precariedade do sistema, que prefere lançar mão de condenações prévias, a olhar para as verdadeiras culpadas: a burocracia e a lentidão, que fazem arrastar as enormes filas de interessados e as crianças ficarem adultas aguardando um lar.
            De forma alguma há que se defender a legalidade do ato. Apenas demonstrar que o mesmo não pode ser encarado com tanta severidade, quando a própria lei não garante que as milhares de crianças nos abrigos consigam encontrar os milhares de pais nas filas de espera.
            O que se sugere é a busca pela celeridade dos trâmites legais e uma menor burocratização, que faça os interessados olharem para a adoção legal como o único meio plausível para fazer uma adoção.
            Não podemos afastar a necessidade de uma discussão mais profunda sobre o assunto. Não dá para aceitar que um caso de tamanha relevância não seja disciplinado. Quanto aos “infratores”, acredito que são justas as decisões dos Tribunais e STJ, pois esses pais não podem ser condenados por querer dar amor, carinho e um lar a uma criança.
            Por fim, invoco o pensamento de Antônio Chaves, para o qual “ninguém resiste à verdadeira coação de ordem moral decorrente do alto valor espiritual e humano que inspiram tais gestos".

Autoria:
Darla Aparecida de Mello, Advogada, Juíza Leiga, especialista em direito civil e processo civil. 






[1] LAMENZA, Francismar. Um raio-x da adoção à brasileira. Promotor de Justiça da Infância e da Juventude da Lapa Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Artigo, 2009. Disponível em  http://www.mp.rn.gov.br/caops/caopij/doutrina/doutrina_adocao_brasileira.pdf Acessado em:10/11/2010
[2] FONSECA, Claudia. Caminhos da Adoção.  2. Ed. São Paulo: Cortez, 2002
[3] PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente – Uma proposta Interdisciplinar. 2. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
[4] GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática. Curitiba: Juruá, 2010
[5] LAMENZA, 2009.
[6] LAMENZA, 2009.
[7] LAMENZA, 2009.
[8] GRANATO, 2010.
[9] CHAVES, Antonio. Adoção, Adoção Simples e Adoção Plena. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.
[10] PICOLIN, 2007.
[11] LAMENZA apud SZNICK, Valdir, Adoção. 3ª ed. rev. atual., São Paulo, LEUD, 1999, p. 453
[12] VERONESE, Josiane Rose Petry e PETRY, João Felipe Correa, Direito da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC Editora. 2006, p. 10.
[13] MIRABETE, Julio Fabrini. Código Penal Interpretado. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 2009.
[14] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 6. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 495.

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